quarta-feira, novembro 30, 2011

Antes que feches a luz



Senhor, permite que adormeçamos 

antes que feches a luz,

que os rebanhos estejam recolhidos

e os credores se tenham afastado da nossa porta,

... mas que tenhamos pago as dívidas aos que nos serviram

e aos que nos amaram e aos que nos esperaram;


as tuas grandes mãos sustentarão o telhado e as paredes


e moerão o grão e fermentarão o trigo,


apaga com as tuas mãos o nosso rasto


e que repousemos


sem motivo para nos culparmos


por não termos sido felizes.



Manuel António Pina


Imagem e inspiração daqui

Ler e sorrir :)


 A propósito do Colóquio "João Martins Pereira e o seu, nosso tempo"
Talvez alguns, conheço casos, sejam capazes de gerir a vida como se gere uma empresa (estou a exagerar: a maioria das empresas são, elas também, geridas às apalpadelas…): estabelecer objectivos (uma carreira!), definir os meios necessários para os atingir, aplicá-los controlando a progressão, avaliando e corrigindo os desvios. Nunca o fiz – e talvez haja quem me julgue frio a esse ponto…
Foram sempre os pequenos prazeres do «logo à tarde» ou do «logo à noite» que me ajudaram a sobreviver, e não qualquer longínqua certeza ou desígnio. E se alguns planos fiz, foram sempre de curto prazo, para me libertar de tutelas insuportáveis e aumentar a margem desses pequenos prazeres. Pequenos, mas não diria fúteis: a conversa de café (ou a saborosa solidão do café), as leituras, os cinemas, os encontros, os amores passageiros, os passeios pela cidade, os pés de dança, mais tarde as viagens, as chamadas «acções colectivas» (não diria, no meu caso, militantes). Para não falar dos prazeres maiores, das amizades, dos amores «definitivos», e também da Gazeta e das escritas. Tudo isto foi a construção de mim próprio, num pano de fundo de enorme curiosidade pelo futuro, que sempre foi para mim uma aventura no desconhecido, nunca um projecto.
João Martins Pereira, O Dito e o Feito. Cadernos 1984-1987
Bibliografia on-line pela linda mão do CD 25 de Abril :)

O Fado Do Futuro Tem de Ser Outro



Gonçalo Tocha fala para jovens.
E noutro local escreve para todos sobre o convite que deu origem a este video.
"Vocês (a juventude) são o único tesouro que existe, e é isso que o Estado tem de perceber."

domingo, novembro 27, 2011

quarta-feira, novembro 23, 2011

Por estas e por outras, adiro à Greve Geral


(imagem do nuno oliveira, para o miguel relvas,via gui castro felga)

Quando desaparecemos | iOnline

A pior existência torna-se tolerável se nos virmos como uma persona, que um dia será tão estimada como David Copperfield ou Jane Eyre. Mas esta operação, o método de Dulce, envolve uma dificuldade. É preciso ter lido algum autor, como Dickens ou as irmãs Brontë. É preciso ter lido. Na biblioteca itinerante da Gulbenkian ou na biblioteca municipal de uma aldeia obscura de Trás- -os-Montes. Livros grandes, como preferia a Dulce, que durassem uma semana ou toda a quinzena da requisição, até ao regresso da esplendorosa viatura com portas de estribos, faróis como olhos perscrutantes, abrindo-se pela retaguarda como uma baleia invertida e revelando estantes laterais por dentro da chapa ondulada.


Quando desaparecemos | iOnline

terça-feira, novembro 22, 2011

Fazer sentido a muitas mãos e vozes


George Siemens, Novembro 2011

Participatory sense meaning - from everyone and all to each one of us, in order to improve (our) self-organization as a learner.

sábado, novembro 19, 2011

Do que um homem é capaz

Faixa 10

Do que um homem é capaz

As coisas que ele faz

P'ra chegar aonde quer

É capaz de dar a vida

P´ra levar de vencida

Uma razão de viver



A vida é como uma estrada

Que vai sendo traçada

Sem nunca arrepiar caminho

E quem pensa estar parado

Vai no sentido errado

A caminhar sozinho



Vejo a gente cuja a vida

Vai sendo consumida

Por miragens de poder

Agarrados alguns ossos

No meio dos destroços

Do que nunca vão fazer

Vão poluindo o percurso

Co'as sobras do discurso

Que lhes serviu pr'abrir caminho

À custa das nossas utopias

Usurpam regalias

P´ra consumir sozinho


Com políticas concretas

Impõem essas metas

Que nos entram casa dentro

Como a Trilateral

Co'a treta liberal

E as virtudes do centro

No lugar da consciência

A lei da concorrência

Pisando tudo p´lo caminho

P´ra castrar a juventude

Mascaram de virtude

O querer vencer sozinho


Ficam cínicos, brutais

Descendo cada vez mais

P´ra subir cada vez menos

Quanto mais o mal se expande

Mais acham que ser grande

É lixar os mais pequenos


Quem escolhe ser assim

Quando chegar ao fim

Vai ver que errou o seu caminho

Quando a a vida é hipotecada

No fim não sobra nada

E acaba-a sozinho


Mesmo sendo poderosos

Tão fracos e gulosos

Que precisam do poder

Mesmo havendo tanta gente

P´ra quem é indiferente

Passar a vida a morrer


Há principios e valores

Há sonhos e há amores

Que sempre irão abrir caminho

E quem viver abraçado

À vida que há ao lado

Não vai morrer sozinho

E que morrer abraçado

À vida que há ao lado

Não vai viver sozinho



José Mário Branco

quinta-feira, novembro 17, 2011

 

Catarse

Hoje é o meu terceiro dia como aposentada.
Acordei à hora habitual e lembrei-me que, pelo menos hoje, os meus alunos não teriam tantas substituições;  a sexta-feira era o único dia em que não tinham  aulas comigo.
Até à última semana  tinha com eles: 6 tempos de Língua Portuguesa, 3 de Língua Inglesa, 2 de Atividades de Apoio ao Estudo, 1 de Formação Cívica, 1 de Oficina de Leitura e Escrita e 2 de apoio a Língua Inglesa.  Muitas horas, ao longo de um ano e dois meses… uma ligação profunda interrompida abruptamente. Sinto-lhes a falta e, de acordo com alguns emails recebidos, eles também sentem a minha, mesmo os mais complicados.
Então por que saí? Limite de idade? Incapacidade física comprovada? Reforma compulsiva?
Nada disso. Fui mesmo eu que pedi a aposentação antecipada. Tenho 57 anos e meio, 36 anos de serviço efetivo, todos na escola pública, sem licenças nem destacamentos.  Saí com 24% de penalização e com a noção clara que ainda tinha muito para dar à profissão que segui por vocação, a que me dediquei  em regime de exclusividade, seguindo o lema “I’m a teacher, I touch the future!”.
Então o que me levou a pedir a aposentação em Dezembro último? É preciso recuar uns anos, lembrar o ano em que começaram a transformar a profissão docente numa doença terminal.
Em 2005, cheguei de férias em setembro  e tomei o primeiro contato com as grandes reformas da então Ministra da Educação, Maria de Lurdes Rodrigues. Surgiram as famosas  OTEs- ocupação de tempos escolares, acabaram os chamados “feriados” e os meninos deixaram de poder libertar energias nos recreios quando um professor faltava e passaram a ficar na sala com outro professor, a fazer…  . Eu, que nunca tinha problemas disciplinares (a partir de outubro de cada ano letivo estavam sempre resolvidos) passei por algumas situações bem desagradáveis. O mais curioso é que, lá no pequeno mundo onde me movia, quem faltava muito continuou e continua a fazê-lo, quem não faltava começou a ficar exausto e a adoecer. Infelizmente são vários os colegas que se encontram afastados por doença, principalmente a partir do ano passado. Até concordo com as OTEs, mas com professores específicos, com tarefas próprias e a crise não deixa…
Depois vieram mais pérolas: o Estatuto do Aluno com as célebres Provas de Recuperação (os atuais PITs –Plano Individual de Trabalho também não são muito diferentes ), as alterações ao Estatuto da Carreira Docente e a Avaliação de Desempenho Docente. Divulgou-se a mentira da ausência de avaliação e da progressão automática. Estávamos em 2007: exigiam a definição de objetivos individuais e eu defini apenas um: chegar à aposentação em pleno uso das minhas faculdades mentais. Não entreguei os ditos objetivos individuais, fui notificada por incumprimento. Até foi interessante. Nessa altura ainda sentia fôlego para estas lutas e até me davam algum gozo. Maior ainda foi o que me deu ver que as ameaças deram em nada, como seria de esperar.
Em 2008, criaram-se os professores titulares. Eu que sempre quis ser apenas professora, uma professora significativa mas nada mais do que isso, tornei-me titular. A escola partiu-se completamente. Ainda por cima, o mundo burocrático desabou sobre os ditos titulares. Sempre desempenhei cargos, não existe no meu registo biográfico um ano em que tivesse apenas dado aulas, mas ter de desempenhar dois e três cargos por ser titular e ter a redução máxima do art.º 79.º era muito pesado. Existiam muitos formulários, muitas siglas, muitas reuniões; escasseava o tempo para fazer o importante, para preparar aulas a sério e não de memória, para fazer avaliação diferenciada ou remediação ativa. Comecei a sentir-me deprimida. Não me deixavam cumprir a meu gosto o conteúdo funcional da minha profissão.
Ainda por cima os titulares eram prisioneiros, não podiam concorrer, eram “propriedade” dos quadros dos respetivos agrupamentos. Vi colegas serem ultrapassados por outros com menores qualificações. Conheço alguns que continuam a fazer muitos quilómetros por dia graças a serem titulares.
Depois chegou a Drª Isabel Alçada e pensei que as coisas podiam melhorar. Puro engano. Escreveu uma aventura suicida, envolta em sorrisos e mensagens pueris, como aquela de votos de bom ano letivo, que passou em todos os blogues. O novo modelo da Avaliação de Desempenho Docente, a reformulação do Estatuto do Aluno com os tais Planos Individuais de Trabalho, a requalificação das  escolas que  deixou ao país uma dívida incomensurável (para não falar das dificuldades das ditas para pagarem a conta da luz e outras) e, finalmente, a reorganização da rede com a criação dos Mega-agrupamentos.
Em setembro de 2009, regressei de férias com a sensação de não ter reposto as energias, como já vinha sucedendo desde 2006. Mal entrei, informaram-me que tinha de ir     apresentar-me noutra escola, a escola sede do Mega-agrupamento. Fiquei siderada. Então nós éramos Agrupamento TEIP e agora íamos ficar na dependência de uma escola secundária, sem a mínima experiência do que é ser agrupamento, até porque as secundárias eram não-agrupadas? A resposta foi afirmativa.
Ainda em choque, dirigi-me à nova Direção. Fui muito bem recebida. Na reunião geral ouvi falar de uma fusão não desejada, de um processo doloroso que teríamos de digerir, encarar como um desafio e transformar num caso de sucesso. A economia manda! Vamos a isso!
Ah, mas esta não era a única novidade: em 2009/10 eu seria Diretora de Turma, Coordenadora dos Diretores de Turma do 2.º ciclo, Gestora de Disciplina e Professora Relatora. Por último seria professora das áreas já referidas.  A função de Relatora era a que mais me custava. Tentei escusar-me. Nada feito. Em nome da senioridade, de acordo com os critérios legais, tinha mesmo de ser eu.
Em dezembro deixei de ser Gestora de Disciplina, pois finalmente perceberam que a minha redução estava há muito ultrapassada. O resto continuou igual. Reuniões infindáveis, deslocações quase diárias entre escolas, às vezes três idas e vindas por dia. As reuniões de avaliação seriam também na escola sede, pois o programa informático estava lá sediado ( onde mais poderia estar?). Lá iríamos com os dossiers, todos ao monte a lançar níveis, faltas e observações. Isto não estava a acontecer!
Mas ainda aconteceu pior. A escola onde trabalhei desde 1987/88 tinha uma boa avaliação externa, estava cotada como das melhores a nível nacional, nos famosos rankings aparecia colocada bem acima das que não eram Territórios Educativos de Intervenção Prioritária. Tudo isto era fruto de muito, muito trabalho. Mas afinal comecei a ouvir que era tudo engano. Expressões veladas anunciavam que não era assim, frases em que ninguém era nomeado ( por razões éticas, dizia-se) afirmavam que a escola era um monte de dívidas e compadrios. Até a um sindicato chegaram estas informações. Foi talvez a gota de água. Comecei a ter perturbações de sono, dores de cabeça inexplicáveis, perdas de memória ( até do local onde estacionara o carro, ou, durante a noite, onde era a minha própria casa de banho, num T2 minúsculo). O médico avisou-me do perigo que corria, aumentou-me a medicação, quis que ficasse em casa. Não obedeci ao último conselho. Em vez disso, entreguei o meu pedido de aposentação antecipada em dezembro. Calculava sair em julho/agosto, de acordo com os prazos previstos.
Até ao fim do ano letivo desenvolvi todas as funções com o máximo profissionalismo, mas sem nunca me subjugar às fações que se foram criando, sem me calar sobre a paulatina destruição de tudo o que estava construído e fora avaliado positivamente, para ser substituído pelo que se considera agora um bom trabalho e não passa de um conjunto de números, grelhas, estatísticas e documentos.  A minha escola descaracterizou-se completamente: os Serviços Administrativos estão desertos, as assistentes operacionais são deslocadas conforme as “necessidades”, ainda não há mediador/a social, os concursos arrastam-se, o número de professores ausentes continua alto…
Senti e sinto o Mega-agrupamento como uma anexação hitleriana. Conheci pessoas admiráveis, é certo, mas perdeu-se a articulação que existia dentro da própria escola; com o primeiro ciclo nem se fala.
A 10 de outubro,  chegou a comunicação oficial da minha aposentação. Trabalhei conforme o previsto até ao fim do mês, fiz os primeiros testes, a reunião intercalar do conselho de turma, o preenchimento das 44 páginas de dados para estatística do modelo de Projeto Curricular de Turma, orientei as planificações da disciplina de Inglês e a grelha de propostas para o Plano Anual de Atividades do Agrupamento e a primeira grande atividade: um concurso de chapéus para celebrar o Halloween. Tudo direitinho.
No dia 31, entreguei os prémios do referido concurso, sorridente e vestida a preceito. Consegui suster as lágrimas na minha última aula, cantando Ghostbusters com os meus alunos.
Quando tocou saltaram das cadeiras num abraço em cacho, que me projetou contra a parede, fizeram-me prometer que os iria visitar. Passei  o bloco à colega de História e Geografia de Portugal, pedindo-lhes que se concentrassem, pois até iam ter teste na aula seguinte.
Já tinha entregue as chaves do cacifo e o computador da equipa PTE que integrei desde início.
Saí de cena.
Não irei para o ensino privado, fui sempre escola pública. Não irei ocupar vagas ou postos de trabalho nesta ou noutra qualquer profissão, muito menos numa altura destas. Além disso, eu só sei educar e ensinar. Encontrarei uma ocupação válida. Partirei para uma coisa nova, ainda não sei bem o quê.
Empurraram-me para a aposentação, que a paguem muitos anos.

4 de novembro de 2011, Maria Amélia Ribeiro Vieira, professora aposentada
via Educação do Meu Umbigo

Collection development vs Connection development


Só a falta de imaginação ameaça as bibliotecas (em ingês)
O nosso negócio não são os livros mas as aspirações das pessoas. As bibliotecas foram criadas por gente para gente. Para toda a gente.
A missão primordial dos bibliotecários não é cuidar do edifício, nem sequer cuidar dos livros, é melhorar a sociedade. Como? Facilitando o conhecimento a toda a comunidade.
Servindo a comunidade. O que nos dá todo o direito e toda a obrigação de pensar MAIOR.
Inspirador.

David Lankes, 2011

Também interessante: The future of librarianship

sexta-feira, novembro 11, 2011

A língua a quem a trabalha


http://videos.sapo.pt/OunWBqLal0sB8maQHe4C

Clube da Palavra, amanhã, 12 de Novembro, 23.30, no Jardim de Inverno do Teatro São Luiz, em Lisboa.
Depois eu conto, que a Cultura ainda persiste e floresce quando a gente assim não falha, em como eles dizem, assume "a língua a quem a trabalha"

Se acabarem com os transportes públicos urbanos depois das 21h, por enviesamento de políticas em decurso, podemos sempre ir treinando e ocupar as noites.
Temos de começar por qualquer lado.

terça-feira, novembro 08, 2011

Os grandes tradutores

Os jovens habitantes das fronteiras


Sei como é violento falar de jovens assim, como nuvem indistinta, particularmente quando reclamam originalidade, singularidade e subjectividade. É violento e tantas vezes sociologicamente enganador: colocam-se no mesmo saco gatos desavindos. Mas, sem perder de vista a necessidade de articular e multiplicar escalas de observação (das mais individuais às mais vastas, ditas “estruturais”), importa vislumbrar grandes linhas de força (tendências, padrões e regularidades) de forma a sentir o espírito dos tempos numa altura em que os tempos parecem escapar-se-nos como areia fina.

Falarei por isso dos jovens como grandes tradutores. Sem disso se aperceberem transitam, no seu quotidiano, através dos múltiplos papéis sociais que encarnam, entre culturas e repertórios francamente heterogéneos. Nem sempre é fácil lidar com semelhante parafernália; negociar, integrar e traduzir numa identidade referências tão díspares requer ferramentas exigentes (e que são desigualmente distribuídas – desde logo a literacia da imagem e do hipertexto: um link pode ser uma ligação com pistas mil ou, ao invés, um labirinto de onde jamais se sairá sem as feridas do caos). Mas habitar na fronteira, entrar e sair de territórios e universos distintos, faz deles artesãos da adaptabilidade (disposição que o capitalismo recupera e aprecia…) e da apropriação, com viagens frequentes entre a alta cultura, a pop mais comercial e globalizado, o "kitsch" ou o popular localizado (trânsitos bem visíveis na fruição audiovisual).

João Teixeira Lopes, 2.11.2011

Ladrões de Bicicletas: A tirania do mérito

Ladrões de Bicicletas: A tirania do mérito : « Quem alcançou o topo, passou a acreditar que o sucesso foi um feito seu, uma medida do seu ...