quinta-feira, dezembro 13, 2012

Deslimites




A menina apareceu grávida de um gavião.

Veio falou para a mãe: O gavião me desmoçou.


A mãe disse: Você vai parir uma árvore para



a gente comer goiaba nela.



E comeram goiaba.



Naquele tempo de dantes não havia limites



para ser.



Se a gente encostava em ser ave ganhava o



poder de alçar.



Se a gente falasse a partir de um córrego



a gente pegava murmúrios.



Não havia comportamento de estar.



Urubus conversavam auroras.



Pessoas viravam árvore.



Pedras viravam rouxinóis.



Depois veio a ordem das coisas e as pedras



têm que rolar seu destino de pedra para o resto



dos tempos.



Só as palavras não foram castigadas com



a ordem natural das coisas.



As palavras continuam com seus deslimites.







Manoel de Barros - Matéria de Poesia (1974)

1 comentário:

Helena disse...

Fascinante sempre o Manoel de Barros e a sua peculiar recriação da linguagem!

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